23.10.17

"Évora" en portugués

El profesor y poeta Luis Leal, eborense y destinatario de una de las partes del poema que publiqué ayer aquí, ha tenido la deferencia de traducirlo a su lengua materna, el portugués. Con una rapidez sorprendente. Quizá es ahora cuando el poema está completo. Y uno, del todo feliz. Lo ha publicado en su blog, Senderos da mão esquerda.
Allí escribe: "Poderia ser quem sou sem ela? Todos os domingos mo denunciam que não. Este não foi exceção. O reconhecido e prestigiado poeta espanhol Álvaro Valverde, obsequiou o mestre Antonio Sáez, e este vosso amigo, com este poema dividido, em duas partes, intitulado “Évora”. Na verdade, dedicou-o à cidade branca, à cidade amuralhada que nunca ergueu fronteiras, dedicou-o todos aqueles que sentem Évora como sua cidade". 
Sí, puede que el poema "en verdad" esté dedicado "a la ciudad blanca, a la ciudad amurallada que nunca levantó fronteras, (...) a todos los que sienten Évora como su ciudad". Gracias, Luis. 

ÉVORA

1

                                  Para Antonio Sáez


A três horas, dizes para ti, outro mundo.
Tão próximo, é verdade, porém tão longe
para o acaso uma fronteira justificar
a sua posição geográfica no mapa.
À medida que te aproximas, de repente uma miragem:
vês o mar confundido com o céu.
De oliveiras e de vinhas a paisagem.
E já ali, a lenta cidade branca,
presa e alheia a qualquer época. 
Idades sucessivas levantam-se
em forma de colunas e muralhas.
De praças, de conventos, de jardins
encerrados ao comum dos mortais.
E ali esse velho claustro
da universidade que foi colégio,
clausurada à força por ideias,
razão, quanto ao demais, da sua existência.
A luz aqui é tudo. Reverbera
contra os azulejos que decoram
corredores e aulas e paredes.
Rapaziada com as suas capas negras cruza
veloz as arcadas.
Por dentro cada um percorre serenos labirintos
que a pedra envelhece. Do silêncio,
estâncias amparadas pela história.
De todas é numa onde com o tempo
ficarias a viver: na biblioteca.
Se olhares para cima não parece
ser um sítio fechado. As janelas
aproximam o verde de algumas árvores.
Povoarão com os seus chilreios essas mesas
onde os estudantes leem ou escrevem
sobre madeiras nobres que suportam
o brilho artificial dos ecrãs.
Aqui ficarias, abrigado
entre muros incólumes à pressa.
Mas a realidade impõe-se. Sais,
voltas a percorrer esse caminho
que finaliza o teu périplo: grato, breve.
A três horas de carro de outro mundo.



2

                Para Luis Leal


Poderia outra cidade
servir de réplica
à mesma em que vives?

Que tivesse muralhas
e também aquedutos
e praças com pórticos
e restos arqueológicos
e ruas tão estreitas
como estas que transitas.

Uma cidade levítica
acompassada ao ritmo
de um tocar de sinos,
ao do que vagueia só
por caminhos labirínticos
que conduzem a um centro
que sabemos secreto.

Um lugar melancólico
onde a saudade fosse
uma expressão corrente.

Existe essa cidade,
ainda que sem rio,
e nela encontras hoje
a tua sublimada.
Mais serena e mais branca.
Misteriosa e, por isso,
invejável e distinta.

És ali esse homem
que sonha ser outro;
desconhecido para si,
mas o qual sentes
com tanta convicção
como a ti mesmo.

(Tradução de Luis Leal)